PREVOST E TRUMP

 Quando a fumaça branca subiu na Capela Sistina, o mundo conheceu o novo papa: Robert Francis Prevost, americano, ex-prefeito do Dicastério para os Bispos, conhecido por sua sensibilidade pastoral, abertura ao diálogo e firmeza em temas sociais. Para muitos, a escolha foi mais que um simples movimento eclesiástico: foi um recado geopolítico.

 Hoje, Donald Trump, no comando dos EUA, representa uma das faces mais fortes do conservadorismo global. Ele não apenas brincou dizendo que gostaria de ser papa — inclusive postando uma montagem vestindo trajes papais — como também vem tentando, nos bastidores, exercer influência no Vaticano.

 Em um movimento calculado, Trump nomeou Brian Burch, chefe e cofundador da CatholicVote, grupo ultraconservador católico, como embaixador dos EUA no Vaticano, reforçando seu desejo de emplacar aliados e agendas alinhadas com a direita religiosa americana.

 Olhando para trás, a Igreja Católica sempre escolheu seus papas considerando os grandes desafios do momento. Nos anos 1980, o comunismo ateísta soviético era a ameaça, e veio João Paulo II, da Polônia comunista, símbolo de resistência espiritual. Nos anos 2010, o desafio eram as igrejas evangélicas crescendo na América Latina, e veio Francisco, da Argentina, para reconquistar o rebanho do sul global. No cenário atual, a pressão vem do norte, especialmente dos EUA e de uma nova onda ultraconservadora simbolizada por Trump.

 Diante disso, o Vaticano poderia ter seguido dois caminhos: escolher um papa ultraconservador para responder com dureza ou apostar em um nome que reafirmasse os valores progressistas de Francisco. A escolha por Prevost foi clara: uma resposta pastoral, não política. Ele foi eleito não apenas para manter um rumo, mas para construir pontes entre o conservadorismo e o progressismo, em um momento de intensas polarizações dentro e fora da Igreja.

 A escolha do nome Leão XIV remete ao Papa Leão XIII, conhecido por sua ênfase na justiça social e nos direitos dos trabalhadores, sinalizando uma possível continuidade nesse enfoque. Além disso, sua eleição pode ser interpretada como uma resposta estratégica do Vaticano às pressões geopolíticas, especialmente diante da influência conservadora crescente nos Estados Unidos.

 Com Prevost, a Igreja parece dizer ao mundo — e especialmente a Trump: não vamos ceder à pressão geopolítica nem deixar que agendas nacionais ditem o rumo da fé universal. A escolha de um americano progressista mostra que Roma não quer ser instrumentalizada como extensão da Casa Branca nem da nova direita católica.

 O novo Papa é visto como alguém que continuará a promover reformas na Igreja, ampliando a participação das mulheres, reforçando o combate à pobreza e defendendo migrantes — temas que frequentemente colidem com a agenda trumpista. Como primeiro papa americano, Leão XIV representa um ponto delicado de equilíbrio entre progressismo e conservadorismo: ele rejeita a “simpatia por crenças em desacordo com o evangelho”, mostrando firmeza moral, especialmente sobre casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas também resiste à clericalização feminina, preferindo aprofundar o papel das mulheres sem mudar a natureza sacramental da Igreja. Sua linha pastoral deve seguir o caminho de Francisco, combatendo o clericalismo e aproximando decisões das bases locais.

 Mais do que nunca, o Vaticano sinaliza que compreende o momento atual: não basta apenas reagir ao cenário mundial, é preciso antecipar-se. A eleição de Prevost mostra que Roma quer construir pontes entre progressistas e conservadores, reafirmando que a fé católica não será instrumentalizada por pressões políticas ou geopolíticas, mas manterá sua voz independente no palco global.

 Fonte: SPDiário.com.br – reportagem na íntegra.

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